Eles

Há tempos eu desconfiava. Contei dez deles. Saudáveis, de boa aparência. A maioria de cor escura. Eu estava na mesa do escritório de mãos na cabeça, cotovelos apoiados, pensando em resolver a grande parte dos problemas do meu mundinho. Quando me dei conta, estavam lá, espalhados. Semelhantes um a um, talvez iguais, equivalentes. Recordei de imediato da figura do meu pai: militar, rígido, cheio de parâmetros, careta, maluco. Alcoólatra. Bruto. Sem nunca ter se olhado num espelho para se ver negro, sofrido. Careca.
No dia seguinte, no mesmo lugar, contei por volta de dez novamente. Desta vez mais amontoados, pareciam caídos, cansados, mas estavam aparentemente firmes num jogo aleatório de observação.
Com o passar do tempo, foram aparecendo mais. Se bem que em certos dias eu não conseguia notar nenhum, pela minha pressa em cumprir a rotina ou talvez estivessem camuflados pelo ambiente caótico em que eu havia me instalado. Envelhecer na cidade grande me trouxe estresse e medo.
Mais e mais apareciam, alguns com certeza eram mais velhos, outros menores, mas todos vindos do mesmo lugar, imprimindo à pura força o cálculo dos dias. O tempo conspira e eu, eu envelheço, envelheço na cidade.  
  Certo dia acordei, me virei na direção da janela. Susto. Haviam muitos deles à minha frente. Olhei por cima dos ombros e avistei outros tantos. Eu estava completamente cercado. Pus às mãos na cabeça, coçando o couro cabeludo, sinal de desespero procurando ainda outros. Levantei a cabeça e muitos outros estavam lá. Espalhados no lençol, nos travesseiros, eles estavam por toda parte.